Diversificação da pequena propriedade é bobagem, adverte Olinger
Intenso, veemente, dono de uma memória prodigiosa, ele costuma deixar seus interlocutores boquiabertos com tanto conhecimento. Foi o que aconteceu com a equipe da Mafalda Press durante as duas horas e meia de entrevista no final de setembro passado e cujo conteúdo será compartilhado com os leitores daqui para a frente. Mas que ninguém pense que aos 98 anos de idade o fundador da Acaresc em 1956, uma das empresas que deram origem à Epagri, só fala do passado. Glauco Olinger é tanto um dos principais protagonistas da história da extensão rural brasileira e catarinense quanto um engenheiro agrônomo preocupado em encontrar soluções para questões referentes à agropecuária do século 21. Por isso, em breve ele encaminhará uma proposta revolucionária ao governo do estado.
– Vou propor uma nova divisão geográfica de Santa Catarina baseada nas bacias hidrográficas Em vez de se dividir o estado como hoje está dividido, politicamente, você divide em função das bacias hidrográficas, subacias (as bacias de porte médio) e as microbacias, onde há uma população muito homogênea em relação à religião, a aspirações, a problemas de solo, de água, de clima.
É muito fácil instituir nesta microbacia um programa de desenvolvimento rural, de proteção ambiental e desenvolvimento econômico. É praticamente um grupo de vizinhança que às vezes tem relações familiares, de amizade.
Tal entendimento embasou o programa de microbacias implantado no município de Toledo, no Paraná, sendo uma adaptação de um trabalho de microbacias existente nos Estados Unidos. Em Santa Catarina, o trabalho dos paranaenses e americanos inspirou o Programa Microbacias realizado em três etapas entre 1991 e 2016 na forma de uma bem sucedida parceria entre o governo catarinense e o Banco Mundial (Bird).
Agricultor alemão vai à ópera – Para Olinger, a nova divisão geográfica proposta para Santa Catarina faria cair por terra o argumento de que a diversificação da propriedade é a saída para as famílias agrícolas. “Isso é uma bobagem. Não há mais espaço para a pequena propriedade rural diversificada. Aquele que planta de tudo um pouquinho hoje leva uma vida miserável e tende a desaparecer. A agricultura hoje exige especialização, conhecimento técnico avançado”, ressalta.
Na década de 1970 como consultor da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) ele foi convidado pelo governo alemão para avaliar a reforma agrária iniciada por aquele país após o final da 2ª Guerra Mundial. E se encantou com as mudanças positivas provocadas pela transformação das microbacias em unidades de planejamento.
– A agricultura familiar de baixa renda na Alemanha hoje não existe mais. O agricultor alemão, como todo europeu, frequenta ópera, lê (não existe analfabeto por lá), sabe manejar aparelhos eletrônicos, busca assistência técnica através da internet. É outro nível e a renda dele já é fruto de uma produção especializada (aves, suínos, frutas, cereais, gado leiteiro, mel), Na Europa você não encontra mais uma pequena propriedade que planta de tudo um pouquinho, que cria galinha, uma ou duas vaquinhas. Numa microbacia você pode ter uma família de agricultores especializada só em mecanização da lavoura. E ela presta serviço para a microbacia. Pode ter um especialista em gado leiteiro, um especialista em criação de suínos e aves, um especialista em lavoura de hortaliças, um especialista em fruticultura, outro em mel. Quer dizer, você diversifica na microbacia, mas especializa por família.
E para quem tem dúvidas sobre a abrangência da sugestão que este professor nascido em Lages em 17 de setembro de 1922 pretende fazer ao governo do estado é preciso saber que ela não se restringe à área rural. “É abrangência total com projeto de deslitoralização. Parece necessário evitar, ao máximo possível, o crescimento populacional nos maiores centros urbanos, incentivando melhor distribuição demográfica. Ademais, concordarmos com os que afirmam já haver gente demais, em várias regiões do planeta”.
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